Escrito em coautoria com Rodolfo Viana
Carla Bruni poderia ser Deus.
Com dê maiúsculo mesmo. Não um deus qualquer, mas o Deus, criador do céu, da terra, do homem, da mulher, dos mares, dos ventos, do Rivotril… Se Carla Bruni fosse Deus, talvez “Quelqu’un m’a dit” ganhasse status de oração, apesar de ser uma música bobinha.
Megan Fox também poderia ser Deus.
Laerte, idem.
Alberto Brandão também.
Quiçá Deus pudesse ser uma negra sapeca.
"Deus professorinha", de Rafael Campos Rocha
Cada um tem seu Deus particular. Ou não tem Deus algum.
Não quero criticar religião alguma (o que seria, inclusive, incoerente da parte de um espírita praticante como eu, Rodolfo) ou ofender quem crê em algo, mas sim levantar um ponto: qualquer pessoa ou coisa pode ser objeto de louvor. Seja esta pessoa ou coisa Carla Bruni, Megan Fox, Laerte, Alberto Brandão, a negra de Rafael Campos Rocha ou o espaguete. Mas mais do que o objeto de adoração, o que intriga é a constituição da seita. Por mais absurda que seja uma ideia – digamos, Deus é uma samambaia –, ela terá adeptos.
Como isso é possível?
Este texto não é sobre Deus ou fé. É sobre a criação de religiões, algo que é muito mais humano do que divino – e sempre há confusão entre o que é do homem e o que é do divino.
Como fazer uma religião
Há um passo a passo simples para você inventar ou fomentar uma seita ou religião. Tais etapas são comuns a todas elas e demonstram um padrão não apenas de comportamento na sua criação, como também na mentalidade dos seus seguidores. Tomem o manual abaixo como a planta baixa das religiões.
1. Escolha uma ideia poderosa – quase megalomaníaca – e de difícil acesso ao público leigo.
Pessoas costumam ser movidas por idealizações. Dificilmente você entregaria sua vida por algo que não tivesse uma expressividade em especial ou soasse grandioso. Provavelmente gastaria seu dinheiro com o carro do ano ou investiria seu tempo numa viagem dos sonhos.
O pensamento de seita precisa despertar um anseio maior – a felicidade eterna, a paz de espírito, o paraíso.
2. Eleja um inimigo comum.
A mente humana, no funcionamento mais básico e primitivo, opera sob os influxos do sistema cerebral reptiliano que rastreia potenciais perigos à integridade física e psicológica do sistema como um todo.
Este sistema só reconhece inimigos e aliados. Não há meio termo.
Os marqueteiros sabem muito bem como ativar o desejo de escassez das pessoas anunciando que um produto vai acabar, por exemplo. Assim, o consumidor vai lutar 1) contra a escassez e 2) contra o tempo. Hitler sabia muito bem como dar um direcionamento ao caos social, financeiro e político da decadência alemã na década de 20: o povo judeu. Qualquer desconfiança pessoal teria fim sob a alegação de uma raça intrusa e que despertasse um sentimento comum a todos (neste caso, o sentimento de se sentir ameaçado). Isso redirecionou as desconfianças em relação ao amigo preguiçoso e à esposa safadinha a outros “inimigos”. Seus olhos tinham um alvo certo e bastava atacar numa só direção.
3. Coloque uma meta altamente utópica, mas que seja um desejo de aspiração coletiva.
Se eu prometer a você aumento de salário, um braço mais musculoso ou uma viagem para Nova York, serei cobrado por isso entre três e seis meses. Se o resultado não for entregue no prazo, vou virar as costas para você dizer que é um embuste, que sou tratante.
Mas e se eu prometer algo impalpável, abstrato e com definição duvidosa? Isso é perfeito! Você correrá por anos a fio atrás daquilo e, caso não atinja o alvo, eu posso dizer que foi você que não mirou direito ou que colocou pouca vontade.
Com o passar do tempo, você realmente vai acreditar que a falha é sua. Afinal, sua auto-estima estará balançada e seu sentimento de culpa dominará suas próximas ações. Prato cheio para criar uma nova meta dentro da grande meta.
4. Crie uma comunidade em torno dessa ideia.
Uma pessoa que tem razoável bom senso sabe direcionar sua vida com ações ponderadas e com relativo controle para manter corpo saudável, finanças em ordem e vida familiar decente. Ela entenderá que parte dos desajustes naturais têm uma causalidade conhecida, afinal gastou demais, deu pouca atenção para os filhos ou exagerou nos doces. Qualquer mudança vai passar por reorientar sua vontade, ainda que sofridamente, naquela direção original. Outras pessoas (a maioria) costumam atribuir seus problemas a causas que estão além do seu controle, que vão de caos político a mágoa de Deus, por terem se portado mal naquela semana. Essas pessoas são muito vulneráveis a promessas espetaculares, pois são alimentadas pelo imediatismo, pelo desejo de resultados em curto prazo e de preferência sem esforço.
Junte no mesmo lugar várias pessoas que pensam assim e terá uma bela amostragem do que é o caos. Todas elas estão alimentando as ilusões umas das outras; afinal, se eu desencorajar o sonho dos outros, é o meu que está em risco.
A lógica é: eu não quero naufragar, então vou remar bem forte para que os outros alcancem os objetivos comigo.
5. Use métodos de controle dessa comunidade que regulem a integridade física, psicológica ou moral dos seus participantes e os diferencie do inimigo comum.
Geralmente, esses métodos se apresentam na forma de livros reveladores ou textos sagrados. Na prática, isso pode tomar formatos mais humilhantes, como testemunhos com exposição de fragilidades pessoais, coerção em relação a comportamentos inapropriados e até entrega de bens materiais.
Essa etapa é especialmente importante para diluir a identidade pessoal do seguidor na mentalidade de seita. Tal identidade não existe mais como vontade pessoal, mas como parte de um grupo. É aqui que podemos nos despedir do senso crítico e do livre-arbítrio.
Pense em termos de futebol: se eu fizer parte da Gaviões da Fiel, por exemplo, qualquer grande conquista do meu time será a minha, pois este é um mecanismo natural de associação de imagens. Os meus gostos definem quem eu sou e acho que, se meu artista favorito ganhar o Oscar, eu também fui premiado. Ser um pessoa diferenciada entre as outras é o que alimenta o mercado de consumo de luxo AAA. Ali não existe uma pessoa comum, só a fina nata dos endinheirados. Já imaginou aquela cena clássica nos Vigilantes do Peso? Se um gordinho perde os quilos necessários, ele é aplaudido; se ganhou peso, surge um silêncio de reprovação velada. Ninguém quer ficar perto do gordinho falido. O mesmo acontece numa seita, quando o fiel seguidor não se realizou ou obedeceu os comandos do líder em questão, pois surge uma reprovação a qual ninguém quer se submeter.
6. Invente um evento “cataclísmico” contra o qual todos devem estar preparados.
O sentimento de que algo vai acabar faz aumentar o desejo por aquilo. Afinal, a ideia de escassez valoriza o produto E quanto mais ameaçador for o evento, mais intenso é o treinamento e maior será o nível de sacrifício a ser realizado. O aguardo da ameaça cria na mente das pessoas um sentimento de coletividade associado com urgência e fragilidade. Isso diminui o valor que as pessoas têm e faz aumentar o passe do líder, pois ele conhece o método para apaziguar as sequelas do problema.
Se o mundo vai acabar, o líder tem o kit salvador; se é o juízo final, ele tem um acordo especial para preservar os seus prediletos, a fim de que o grupo que está sob sua guarda seja poupado de toda a catástrofe.
Mesmo no caso de Jim Jones, em que 900 seguidores cometeram suicídio, havia uma garantia: aqueles que se matassem seriam os escolhidos e quem fosse covarde e ficasse vivo queimaria no fogo do inferno. Funcionou.
7. Mostre-se como alguém que anteviu ou superou as barreiras que os demais terão que superar.
A força do líder vem do fato de que ele teve uma revelação única e que deverá ser passada aos poucos. O argumento é que nem todos estão preparados para tamanho impacto de tudo aquilo que vem pela frente.
O líder teve a visão de algo especial que lhe outorgou uma autoridade suprema: um teste de como decifrar algo, uma provação física, um dilema moral e até fenômenos inimagináveis. Vale tudo.
Aquilo é repetido à exaustão pelos seguidores, raras vezes pelo líder – afinal, ele não pode se autoproclamar “o enviado”. Os privilegiados serão aqueles que fazem um sacrifício maior que os demais para receber os ensinamentos da própria fonte superior. Essa mentalidade de informação secreta já foi utilizada pela realeza e, até hoje, é utilizada por partidos políticos ou empresas – informação privilegiada custa bem caro. Além disso, cria uma pirâmide de interesse autorrenovável. Os que estão na base querem subir um pouco; os que subiram um pouco mais também até chegar ao líder. Os imediatos, se forem corajosos e espertos, sacam qual é a brincadeira e criam sua própria comunidade. Por isso é importante ter também uma hierarquia de sub-líderes, o que fará com que os seguidores comuns desejem “subir de carreira” espiritual com mais afinco e cedendo tudo de si.
***
O ponto é que essa fórmula mágica pode ser usada por seitas, religiões, partidos políticos, times de futebol, empresas e, pasmem, sua família. É um modelo generalizado que se difundiu e que funciona porque é baseado nos sentimentos de culpa, medo, mérito e sacrifício. Enquanto nós vivermos baseados neste paradigma, será difícil alcançar uma visão alternativa de funcionamento social. Democracia legítima e co-construção de ideias que façam avançar de verdade são coisas trabalhosas. Não tenho uma ideia do que seria algo realmente saudável, mas posso dizer que qualquer sujeito com um pouco de disposição pode causar mais prejuízo do que benefício ao arrastar pessoas vulneráveis num caminho de alienação e pouco entendimento da vida.
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